2 de set. de 2014

  A greve

Cheguei dois minutos pra fechar o portão. Demorei tanto colocando duas blusas de lã e uma jaqueta e agora vou ter que tirar. E estão molhadas de suor. O duro é que tenho que esperar cantar para depois entrar em fila na sala. Está sol.
Eu fico na penúltima posição da fila para cantar o hino, bom é que as professores e a diretora ficam lá em cima e têm dificuldades para ouvir a voz da gente. Eu só fico abrindo a boca e olhando pras pernas delas. E a Vera, sargentona, fica encarando um por um com olhar fulminante para conferir se estão cantando.
Enfim, entramos em sala. A Prof.ª Valquíria pergunta quem quer rodar o mimeografo. Eu levanto a mão.
Mais Eu. Eu. Eu. Eu... e a torcida do Flamengo toda.
A mais esperta gritou o próprio nome, Angela, Angela, Angela. Entregou o estêncil. Ai ai, é muito bom aquele cheirinho de álcool, sair da sala e andar pela escola pra chegar à coordenação. Enquanto isso Val faz a chamada.
Gosto de quando eu posso mostrar o meu caderno na mesa dela. Mas tenho vergonha. Medo de tropeçar. Todo mundo vai pensar que estou apaixonado. Ela tão é cheirosa. A sua mão suave e os olhos que me paralisam só de lembrar.  






A gente sabia que estavam com os salários atrasados. E não sabíamos o que falar nessas horas. Um imbecil com cara de vácuo tentou gralhar. Ouvi baixinho “eu não tenho nada a ver com isso”, mas a Tonhão reagiu antes estrangulando o cara com a exalação do seu cheiro. Cale a boca!   
Ficamos livres depois do recreio. Ouvimos tudo o que a professora estava sofrendo. Contou a história da submissão que a burguesia faz com o proletariado. Qualquer dia, vão ter que fazer uma cesta básica para nós (professores).  
Saímos jogando a mala na escada para o jogo de caçador. Dividimos o time. Naquela hora já estava com vontade de tirar o tênis e a camiseta de tão calor.
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A professora Valquíria foi para a greve. Nós é que não, porque a diretora alertou que ia ser pesado. Não tinha entendido. Como assim pesado?
No outro dia, não teve aula e nos outros e outros também não.
Pisoteada pelo cavalo, não voltou para corrigir as palavras cruzadas. Não voltou para dar visto e aplicar prova. Não voltou
Não quero nunca mais voltar pra lá naquele colégio. O que era mesmo o tal protelário? Eu não prestei muito a atenção. Ou o governador ficou com raiva porque o chamam de enrustido? E isso é o que mesmo?

  

13 de abr. de 2014

Colineares


TRADUZIR-SE


Ferreira Gullar


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
















METADE
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.



28 de jan. de 2014



Hoje faz um ano que comecei o tratamento para tratar uma inflamação no lobo esquerdo, próximo ao central do cerebelo. Vocês, meus amigos queridos, minha família, meus colegas de trabalho, colégio, faculdade, professores e pessoas que eu nem conhecia rezaram e me ajudaram, de diversas formas na minha recuperação. Eu agradeço a Deus diariamente e peço para ele abençoar cada um de vocês.
Quando iniciei em 28/01/2013 a rádio e a quimioterapia, quem lhes escrevia em meu nome era a minha mãe, pois eu não conseguia fazer muitos movimentos, nem mesmo falar.  Ah! E eu só pude iniciar o tratamento porque todos vocês me ajudaram financeiramente também. Consegui pagar 2 dias de Temodal, droga específica para a região cerebral afetada pela inflamação (Na época, pagamos 1700 reais para dois dias), e quase metade das sessões de rádio (24mil) graças à essa ajuda.
Depois de iniciarmos o tratamento, o juiz determinou que o Estado do Paraná, ao qual eu sou funcionária, cumprisse a lei e zelasse pela minha saúde. E devo isso a um Advogado maravilhoso que também fez a ação por amor, sem cobrar um centavo. 
 É claro que, na realidade, o Excelentíssimo Governador do Paraná não agiu/age assim. Vide olharmos que ele não paga nem o combustível das viaturas da Polícia Militar, que dirá fornecer medicamentos para os pacientes impossibilitados numa cama (nós ficamos calados mesmo). Dinheiro ele sempre teve, pois é um repasse do Federal. Vai ver, assim como aplicaram o dinheiro do Estádio da Copa, ele (o excelentíssimo) deve de ter aplicado meu tratamento em uma reserva mais lucrativa. Cheguei a ficar 40 dias sem receber o medicamento Temodal.
Para não dizer que não falei de flores, já estou muito melhor, como vocês veem/leem, e estou me comunicando oralmente e escrevendo também. Andando feliz. Até de ônibus eu já fui e voltei.
Ainda tomo o remédio da químio e não há previsão de quando parar. Mas estou empenhada em ser e estar feliz e poder retribuir nessa corrente do bem, nessa ciranda enorme de amor que tornou a minha vida.

Obrigada.
Recebam um abraço apertado e uma gratidão eterna!


ps.: desculpem os erros de português, concordâncias e repetições.