23 de mai. de 2015

O conto Creme Verde saiu na revista Raimundo



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Creme verde
Conto de Tainá Pires
Sinto frio na barriga, vontade de fazer xixi nas calças, rir, de me esconder em baixo das cobertas. Às vezes, tudo junto. É que tem histórias arrepiantes. Pirralho, eu ouvia a vó Nena contando o dia em que “ele veio roubar o vestido vermelho da vizinha que estava pendurado no varal”, “comeu gabiroba e cresceu três metros”. Minha mãe contava outras, de cemitério. Fico com medo de colocar meu pé no chão, quando ouço uma história cabeluda.
Meu pai? desapareceu, se escafedeu. Essa é uma boa história, que nunca ouvi. E a senhora minha mãe ficou desesperada, precisando arrumar dinheiro. A mãe vai dar um jeito, meu filho!
A vizinha ficou comigo, comia todas as minhas bolachas, e em troca, lia o que eu queria. Acontece que nem sempre tinha bolacha. E ela resolveu logo arrumar o que fazer para não cuidar de mim. Não nasci para aguentar um piazinho fedelho.  Vai jogar futebol, seu moleque. Arrumou uns bicos de faxineira e zarpou.
Fui pra creche. Toda semana a mãe tinha que tirar as lêndeas... Apanhei dos barrigudos e fiquei com medo de comer, porque eles viravam o meu prato. Eu chorava e ainda levava bronca das tias.
Deu certo. Minha mãe falou que eu tava emagrecendo, peguei perebas, tive caganeiras.
Aí é que entra o processo de desenvolvimento de meus superpoderes.
Ufa, a angústia fez a minha mãe comprar umas histórias prontas... Com bastante desenho. Deixava comida pronta em cima da mesa e eu ajoelhava para comer direito sozinho em casa.
Agora, estou na escola. Ninguém da bola pra mim. E daí? Leio, porque aqui tem biblioteca. Só tenho medo quando bate o sinal. Eu volto sozinho pra casa e eles me assombram.
Como é véspera do feriado, a professora passou uma tarefa. Só que não era  qualquer tarefa, era sobre os melhores personagens. Ela mostrou alguns quadrinhos que trouxe numa caixa. Vamos falar de gibis. Coloquei as mãos na frente dos olhos. Não queria mais ver, e nem ouvir aquelas besteiras. Descobri que ela é muito chata e burra. Criei coragem e ergui a mão para explicar que, além da Turma da Mônica tinha o Wolverine, que não  era monstro, que teve nova memória implantadas pelos militares, e seu esqueleto de adamantium foi inserido, mas ninguém me olharam enquanto eu falava.
Para a aula, depois do feriado, vocês vão me entregar o trabalho de invenção, com os personagens que vocês conhecem ou vão criar novos, desenhar ou pegar de revistas. E escrevam uma história com as ideias de vocês. Pelo menos uma vez ela teve uma ideia genial.
Passei o feriado desenhando os meus personagem. Ainda bem que eles estão aqui dentro de mim há tempos. Agora é a hora de me verem.
Pronto, terminei a façanha O Aventureiro, primeiro episódio. É o quê e como ele sobreviveu comendo só verduras. Ah! está sozinho no mundo e fez amizade com um macaco.
Pedi para meu tio encadernar. Ele tem orgulho de mim.
Finalmente, chegou o dia da entrega.  Todos iriam me ver na sala. Estava pronto para entrar para a história. E que realmente conhecido. A professora corrigiu na mesma hora. Enquanto jogávamos futebol ela ficou passando a caneta nos trabalhos. Deu dez para quase todos os desenhos mal recorados do Cascão. No meu, rabiscou na página mesmo. ‘Seu texto é copiativo, mas valeu’. Nota 6,0. Antes, ela perguntou aos colegas fodões da sala: Isso aqui foi copiado fielmente, né? Claro professora, eu tenho o segundo e terceiro episódios.
Foi naquela hora que completei o desenvolvimento de meus poderes. Com minhas garras afiadas, salvei minha história, subi em cima da mesa e comecei a me defender desses seres do mal.  
 



Outono 2015 / 26 textos para serem lidos no transporte público
Tainá Pires
Com 33 anos de idade, curitibana que gosta mais do mato do que do asfalto. Passei a infância entre a bicicleta, bolinha de gude, escalando árvores, colhendo uvas, brincando com os bichos, com os livros. Entre Duas Antas(colônia dos avós), com polenta, leite quente tirado na hora, e na Capital paranaense, expectadora de cinema com pipoca. Escrevia a redação da escola apaixonada pelas histórias que lia e ouvia. Sempre gostei deste mundo, misturando o real com o imaginário. Formei-me em letras-português, fiz especialização em leitura de múltiplas linguagens, pesquisa PIBIC/PROPQ sobre a relação Literatura e História, trabalhei na edição revisada e comparada do Catatau, do Paulo Leminski, e nos últimos anos venho libertando a minha imaginação literária com publicações e reconhecimentos. E, ainda hoje, faço roteiros de animação, e trabalho como redatora oficial e revisora de textos diversos.




  
Raimundo • Nova literatura brasileira
Quem somos? A Raimundo abre as portas para novos autores e atores da literatura brasileira, entre contistas, poetas, tradutores e ensaístas. Criada em 2014 com proposta de ser uma revista de edição trimestral, pretende acolher obras que pouco encontraram abrigo nos ainda apertados espaços do mundo editorial brasileiro.
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