1 de mai. de 2011

Tortas


Por Tainá Pires e Tatiana Yaguiu

Saímos de uma peça de palhaços na calçada da Reitoria, apaixonadas pelo Sarrafo. O que fazer numa sexta à noite?  Para onde ir? Nada como um bom e  velho bar. Velho não mais, porque a modernidade se instalou por lá.
Chegamos com uma sensação nova. Olhamos com uma cara de espantadas com as novidades.
Olha só, meninas vestidas num estilo “saído da casa da vovó”, carregando livros e andando pelo local estreito como se tivessem na passarela. Os livros, um adereço estiloso. Será mesmo necessário mostrar? Atingem algum resultado? O que será que procuravam? Lembramos da decoração de casas também estilosas, em que livros falsos, aqueles só de borda, deixam o ambiente mais inteligente. Uma das teorias é que os livros saíram das casas e começaram a se transformar em um novo acessório da moda ornamental ou quem sabe um novo adereço ‘pega rapaz’ contemporâneo.
Entre um olhar e outro, pegamos uma cerveja.
Um cara de blazer, alinhado e solitário. A cor clara da pele e do tecido estavam em harmonia, a calça social escura, sapato e óculos de grau, completavam o estilo: sozinho na porta do bar. Esse sim era uma das pessoas mais intrigantes, não sabemos dizer o que ele é ou na verdade quem ele queria ser com aquela roupa, com aquela postura altruísta/arrogante em frente ao um bar lotado. Mas quem há de saber, não é verdade? Talvez nem ele.
Olhamos uma à outra, e bebemos mais um gole.
Já achamos graça, porque transmitimos por pensamento “Nós estamos desatualizadas, ou o mundo está de ponta cabeça?”
Precisamos fazer render essa vinda ao bar!
Boa idéia,  disse Tati, pegando o bloquinho e a caneta.
Voltamos nossos olhares para uma roda. A roda das risadas. Mulheres emperiquitadas, fingem conversar algo interessante e riem alto, procurando o resultado, olhando para os lados, empinando as bundas para destacar suas qualidades.
Eu não aguentaria um bando numa roda que nem sequer me ouvem olhando nos olhos, falou uma das duas.
Nada como os bons tempos. Que saudades de quando não tinha aquele quadro luminoso da Marllboro, entre os quadros do Garrincha.
Olhamos saudosamente para o balcão, seus banquinhos altos e para nossa alegria vimos uma mulher “normal”, com o seu bebê de colo pedindo um bolinho de carne.
Procuramos os que jogavam aquela sinuca.
Não sei, mas acredito que foram expulsos dali.
Estávamos sentadas numa posição privilegiada. Porque podíamos olhar todos os lados. O ruim era que ficava sobre a nossa cabeça um telefone público, decorativo, de ficha. Bonito, mas não dava para ficar com a coluna ereta. Esteve sempre por lá, algumas das poucas coisas que não mudaram com o tempo.
O que nos surpreendeu foi quando apareceu um mulher com salto alto, de verniz, outra com corte e escova no cabelo digna de celebridade (essa expressão eu arrasei na contemporaneidade, hein Tati?) sentimos como se estivéssemos em um dos lugares mais badalados da cidade.
Achei mesmo, pela primeira vez, que estava em um lugar da moda, disse Tati.
Nesse mundo de transformação, outra coisa bizarra foi vista: John Lennon! Ou seria Jesus Cristo? Já não sabíamos quem ele era realmente... Até discutimos um instante.
Que loucura!
Será que bebemos demais?
Mas ele, apesar na camisa hippie, tem os olhos muito bonitos e poéticos, como se olhando para além do horizonte. Confesso agora. (voz de Tainá)
E o mais engraçado da noite foi descobrir que havia uma festa de aniversário sendo comemorada ali. Não percebemos se estavam cantando parabéns, mas sim um rapaz passando com um chapéu de aniversário. Passeava pelo bar sem se importar.  Ou talvez quisesse dizer: estou numa festa. Uma coisa não ficou clara nessa festa: será que tinha bolo?
Começamos a conversar com uns rapazes, aqueles que nos deram metade da mesa e que nós não sabíamos nem o nome deles até então.
Enquanto Tainá filosofava sobre alguma coisa que ninguém entendia, Tati olhava para um deles e voltava o olhar para o caderninho. Começamos a nos enturmar.
Ao descobrir que ele, o personagem que Tati registrava com rabisco, estava enrolando um palheiro, Tainá se animou.
Agora sim me sinto normal entre os semelhantes!, disse Tainá.
Naquela altura, as pessoas ao redor do bar já estavam olhando para o chão, para não tropeçar, e tudo ficou mais familiar para nós duas. Uma pena demorar tanto para se identificar, tivemos que nos despedir, correr para pegar o ônibus. 

6 comentários:

Anônimo disse...

Terminei um livro que tem muito a ver com essa cena do bar.. Aqui está um trecho, do Jean Baudrillard: "Sempre aquilo que falta ao homem se acha investido no objeto. (...) ...todo objeto antigo é belo simplesmente porque sobreviveu e devido a isso torna-se o signo de uma via anterior.... (...) O passado inteiro volta ao circuito do consumo; e mesmo a uma espécie de cambio negro. (...) Assim o passado inteiro como repertório de formas de consumo junta-se ao repertorio das formas atuais a fim de constituir como que uma esfera transcendente da moda" - O Sistema dos Objetos, ou "O Sistema do Torto Bar e seus personagens na modinha", hehehe. Bjo, tá ótimo o texto, mesma coisa que eu penso

Unknown disse...

André, seu texto torna o meu com sentido vivo.
Eu lhe agradeço profundamente a reflexão.

Vinícius disse...

Algo que me preocupa na modernidade é a "digitalização" dos pensamentos, informações e produções artísticas. É fácil projetar um futuro onde tudo se dará de forma virtual e supor que os indivíduos estarão tão envolvidos nesse mecanismo que não mais sentirão necessidade de sair de casa para observar a "vida lá fora". Essa idéia me incomoda e mesmo que o tabaco seja enrolado no paiero, que o instrumento seja vintage e que as roupas remetam à estética de décadas passadas, todos esses objetos e pessoas estão sujeitos a se digitalizarem.
Viva o contato fisíco, o olhar nos olhos, a palavra ouvida direto da boca, a escrita em papel, o desenho feito com tinta, os beijos dados no rosto, os discos de vinil e a abolição das reticências como forma de dizer alguma coisa a mais do que já se disse.
E viva a identificação por observação em loco

Nota: eu fumo paiero sem filtro, aquela foi a única vez que fumei com filtro. Longe de mim modernizar uma atividade tão bonita.

Anônimo disse...
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Gisele Cristina Voss disse...

pois é... as coisas andam meio tortas... ou meio torto!?

Unknown disse...

Com o Sarrafo eu me endireitava... hahaha